Um guia para apreciadores de espumantes


Um guia para apreciadores de espumantes

“Meu único arrependimento na vida é que eu não bebi champanhe suficiente”. A frase anterior, que representa bastante o sentimento apaixonado de quem já provou um bom champanhe ou espumante, é atribuída ao enólogo norte-americano Robert Noecker.

Assim como ele, muitos personagens marcantes da história provaram ao longo dos anos a sua paixão por essa bebida: Dom Perignón, Coco Chanel, Napoleão Bonaparte e Oscar Wilde foram algumas das pessoas que fizeram questão de deixar registrado, junto ao seu legado, o quão aficionados eram por uma boa garrafa de espumante

Agora, você já parou para pensar em qual será o segredo do sucesso de uma bebida tão saborosa e especial, ao ponto de se tornar a marca principal de celebrações, vitórias e de acontecimentos importantes na vida de tantas pessoas?

Essa bebida tão tradicional, que se difere dos vinhos padrão praticamente por possuir uma fermentação extra, tem seu espaço garantido em diversos momentos e encanta quem a experimenta.

Neste post, vamos apresentar um guia completo para apreciadores de espumantes. Você, que gosta da bebida, conhecerá um pouco da sua história, mitos que a envolvem, diferentes processos de elaboração ― e como cada etapa influencia no resultado final ―, dicas para não errar na hora de servir e, claro, como reconhecer e identificar um bom espumante.

Ficou interessado? Então continue a leitura para conferir!

Um problema que fez história

Utilizado sempre para marcar comemorações, chegou a hora também de celebrá-lo! Afinal, não é qualquer bebida que atravessa séculos com uma bagagem histórica e de apreciação cada vez maior, não é mesmo? E o melhor: com uma história intrigante!

Muito conta-se que, na verdade, os vinhos espumantes surgiram de um grande problema que atingia muitos dos produtores de vinhos de meados do século XVII. À época, os melhores vinhos do mundo eram atribuídos à Beune, localizada na região administrativa de Borgonha, França.

Tudo produzido lá era de extrema elegância e bom gosto, tanto que eram os preferidos pelas cortes europeias. Enquanto isso, a região de Champagne, onde se passa essa história, se esforçava para produzir vinhos brancos de qualidade e ganhar a liderança e a preferência dos europeus.

Dica: 6 motivos para conhecer a região de Champagne na França

Apesar de tanta qualidade crescente, os vinhos da região ainda apresentavam um defeito considerado grave. Com a chegada do frio, a fermentação, que depende do calor, era interrompida na metade. O processo, então, só retornava à ativa na primavera, quando as temperaturas voltavam a subir.

Isso, no entanto, provocava a explosão de várias garrafas devido à pressão gerada pelo gás carbônico que surgia nos recipientes durante o processo de fermentação.

De modo a tentar evitar essa situação, que já estava causando prejuízos grandes à produção de vinhos da região, Dom Perignón, monge beneditino e tesoureiro da Abadia de Hautvillers, produtora de vinhos da região, teve a ideia de colocar as garrafas nas adegas subterrâneas de solo de calcário de Champagne.

Como resultado da solução, menos explosões e a descoberta de um novo sabor quando as garrafas eram abertas: o gás carbônico e as bolhas haviam conferido uma nova nuance aos vinhos. Reza a lenda que assim deu-se o primeiro passo oficial para o surgimento do champanhe como o conhecemos hoje.

Todo o processo ainda foi bastante aprimorado nos anos seguintes, com testes e novas técnicas que produziram bebidas que chegaram, como sabemos, a um nível de perfeição admirado.

Métodos que fazem a diferença

Se você é fã de espumantes ou já prestou atenção nos rótulos dessas bebidas que experimentou ao longo de sua vida, certamente reparou em alguns detalhes como as expressões “Champenoise”, “método tradicional” e “Charmat”, presentes em alguns rótulos que encontramos por aí.

Agora, você já parou para se perguntar ou tentar entender o que esses termos realmente significam?

Champenoise e Charmat têm origem francesa e definem o tipo de método de fabricação do espumante que você está tomando. Diferenças em várias etapas da produção acabam por definir qual é o resultado final do produto, em qual categoria ele se encaixará   e até mesmo a sua valorização no mercado.

Para que não reste dúvidas, vamos explicar, agora, quais são as diferenças entre os dois métodos.

O método Charmat

O primeiro método que vamos explicar, na verdade, surgiu bem depois do primeiro. Chamado de Charmat, esse segundo estilo de elaboração de espumantes foi desenvolvido em 1895 por um enólogo italiano.

Nele, a segunda fermentação ― etapa extremamente importante da elaboração da bebida ― foi testada para acontecer em grandes tanques. Com o resultado positivo, que garantiu uma bebida de boa qualidade, o processo acabou patenteado em 1907 pelo francês Eugene Chamat, que concedeu nome ao procedimento.

Nesse formato de produção, são desenvolvidos milhares de litros de espumantes de uma só vez em um processo industrial, com tanques de inox feitos especialmente para aguentar a pressão que o gás carbônico exerce durante a elaboração.

Logo depois da primeira fermentação do mosto — mistura que dá origem ao vinho —, esse material é inserido em tanques junto a açúcares e leveduras, que vão realizar uma nova fermentação: aí, sim, o gás carbônico será liberado. Somente depois a bebida será engarrafada.

Champenoise, o método tradicional

O processo Champenoise — termo que denomina aquele que vem da região da Champagne — é mais oneroso que o Charmat graças ao tempo e às etapas de produção.

Esse estilo de produção é baseado no modelo descoberto por Dom Perignón, como contamos. Nele, a segunda fermentação do espumante acontece dentro da própria garrafa. Assim, depois que o mosto passa pela primeira etapa de fermentação e é colocado em garrafas, dá-se início um novo processo de amadurecimento.

Na sequência, muitos produtores iniciam um processo que inclui a adesão de um elemento chamado de liqueur de tirage, uma mistura de açúcar e vinho que pode ser proveniente da beterraba, da cana-de-açúcar ou da uva. Esse mesmo mix possui algumas leveduras que vão ajudar nessa segunda etapa de fermentação.

A garrafa, então, passa por um fechamento com tampa de metal, algo parecido com o que ocorre com as garrafas de cerveja. Assim, tem-se início o processo de formação de gás carbônico, o famoso perlage. A partir daí, há o período de descanso da bebida, que variará de acordo com o tipo de uva utilizado ou o objetivo do produtor.

O próximo processo da lista se chama dégorgement e também é um bom indicador do cuidado do produtor com o espumante que quer oferecer.

Dica: Entenda as características de um espumante com as uvas Chardonnay e Pinot Noir

O momento do degórgement

Como citamos durante a explicação do processo tradicional de fabricação, logo após a segunda fermentação, chega a hora de uma etapa chamada dégorgement ou, em bom português, degola. O nome faz referência ao que é feito na prática com a garrafa de espumante nesse momento da produção.

As células mortas das leveduras processadas durante a segunda fermentação, conhecidas como borra, geralmente dissolvem-se no líquido do espumante por meio do processo de autólise.

Esse período de dissolução, chamado também de “tempo sur lie”, é o tempo em que a bebida permaneceu com suas borras. Assim, quanto maior a duração do contato entre esses dois elementos, maior o corpo, a cremosidade e a complexidade da bebida.

No entanto, após o fim do período, que pode durar entre seis meses e cinco anos, o espumante não pode ser simplesmente retirado da garrafa e filtrado. Caso isso acontecesse, a garrafa perderia um de seus principais elementos: o perlage.

Como solução, as garrafas são giradas e movimentadas durante pelo menos 60 dias para que as borras se desgrudem das paredes e do fundo do vidro e acabem depositando-se nos gargalos. Quando isso acontece, chega o momento do dégorgement, ou a degola do gargalo.

Nele, o gargalo é congelado, corta-se a tampa de metal, e a própria pressão de dentro da garrafa expulsa a borra. Caso ocorra uma perda de volume do espumante nesse processo, alguns produtores habituaram-se a preencher o espaço com licor de dosagem, que vai determinar o estilo da bebida de acordo com a quantidade de açúcar.

Para não ter erro na hora de entender quais os tipos de espumantes disponíveis e como eles se diferenciam entre si, preparamos uma lista simples com as especificações de cada um. Assim, será possível separá-los de acordo com o seu paladar. Confira!

  • Nature: menos de 3 g de açúcar por litro;

  • Extra-Brut: a partir de 3 g até 8 g por litro;

  • Brut: a partir de 8 g até 15 g por litro;

  • Seco ou Dry: a partir de 15 g até 20 g por litro;

  • Demi-Sec: a partir de 20 g até 60 g por litro;

  • Doce: a partir de 60 g de açúcar por litro.

Sem degolar

Mais uma etapa de produção, presente ou não no processo do seu espumante favorito, pode torná-lo muito diferente dos demais. Enquanto a maioria usa do método dégorgement, produtores específicos e espalhados ao redor do mundo ainda lançam mão de uma técnica tradicional e que foi abandonada por muitos grandes rótulos: a manutenção da presença das leveduras e borras.

Pode parecer inicialmente estranho consumir um espumante, geralmente tão límpido, com aparência turva ou até mesmo com pequena presença de restos de borra. No entanto, não passar pelo dégorgement na verdade cria uma valorização ainda maior da bebida, que não sofre essa interferência e passa naturalmente pelo seu processo de fermentação.

As diferenças, é claro, passam a ser visíveis. A aparência e o sabor podem até parecerem estranhos para um consumidor iniciante, já que são diferentes de quase tudo que é vendido no mercado. Entretanto, pelo menos nesse caso, o diferente pode significar uma experiência inovadora e especial no consumo. Isso porque os aromas das leveduras passam a ser ainda mais evidentes, enquanto os das frutas mais ocultos.

No aspecto físico, as borbulhas, algo tão importante para um bom espumante, são ainda mais finas rápidas e barulhentas. Na boca, a aparência cremosa ganha evidência, além do corpo mais forte, do equilíbrio no paladar e na persistência do sabor após os goles.

Um dos grandes diferenciais do vinho espumante que não passa pelo processo de dégorgement é que, como ele não é aberto nem mesmo para retirada do excesso de borra, ele acaba envelhecendo sem prazo determinado. Sendo assim, a decisão de interromper a sua maturação é exclusiva do consumidor, que definirá a abertura da garrafa.

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Um terceiro método

Moscatel nada mais é do que a designação dada a uma família específica de uvas, chamadas originalmente de Moscato. As frutas dessa casta podem ter cascas brancastintas ou rosadas, originando diferentes tipos de vinho. Entretanto, convencionou-se chamar "espumante Moscatel" todos aqueles produzidos com a uva Moscato branca e utilizando o Método Asti de fermentação.

Este método surge como uma variação do Método Charmat, pois o processo fermentativo também ocorre dentro de autoclaves. A grande diferença é que os espumantes com essa metodologia passam por apenas uma etapa de fermentação.

Funciona assim: o suco de uvas Moscatel é armazenado dentro das cubas junto às leveduras responsáveis pelo processo fermentativo. Quando a bebida atinge teor alcoólico entre 6% e 10% (esse percentual dependerá da escolha da vinícola e do enólogo), a fermentação é interrompida por choque térmico, resfriando-se o espumante rapidamente a temperaturas entre 0 e -3ºC. A bebida será então filtrada e engarrafada, e já está pronta para ser comercializada e consumida.

Como o processo fermentativo nada mais é do que a transformação do açúcar contido no mosto em álcool por meio da ação de leveduras, fica fácil entender o porquê de o espumante Moscatel ser mais doce e menos alcoólico do que os produzidos pelos métodos que utilizam dupla fermentação.

Por ser interrompida já na primeira etapa, a quantidade de açúcar que ainda não foi convertido em álcool é alta. Consequentemente, o teor alcoólico presente no espumante tampouco está muito elevado. Pelo mesmo motivo, os aromas frutados também se apresentam de maneira muito mais pronunciada nos espumantes produzidos pelo Método Asti.

O resultado é um espumante aromático e pouco alcoólico. Assim, esse tipo de bebida é servido, na maioria das vezes, como aperitivo em casamentos e recepções. É ideal também para acompanhar sobremesas.

Um bom espumante

Aquela máxima que diz que todo champanhe é espumante mas nem todo espumante é champanhe pode parecer estranha, mas tem seu fundo de verdade.

Por convenção histórica, designou-se que somente os vinhos espumantes feitos na região de Champagne, na França, podem ser chamados dessa forma. Além disso, essas bebidas devem ser feitas apenas à base das uvas Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Meunier.

Isso não quer dizer, porém, que os espumantes tenham qualidade inferior à dos champanhes. Pelo contrário, muitas vezes! Rótulos feitos ao redor do mundo por vinícolas tradicionais já provaram a sua qualidade e não devem nada à bebida francesa.

Um bom espumante, então, deve seguir os mesmos caminhos de escolha de um bom vinho: confiança no produtor, tradição, recomendações e adequação ao seu paladar.

Alguns elementos, no entanto, são exclusivos do espumante. O perlage, por exemplo, é um deles.

Dica: Saiba tudo sobre a nomenclatura de espumantes!

Entendendo o perlage

O gás carbônico presente nas garrafas de espumante fica dissolvido no vinho enquanto a garrafa está fechada. Isso independe, inclusive, se foi utilizado o método Chamat ou Champenoise. Somente quando a botija é aberta, a pressão da garrafa diminui e o gás se expande, formando as famosas bolhas ou, como são corretamente conhecidas, o perlage.

Hora da escolha

O espumante ideal vai depender da ocasião em que ele será utilizado, não necessariamente do seu processo de fabricação. Apesar da valorização das bebidas feitas por meio do método tradicional, não é correto desvalorizar os bons produtos feitos da maneira Charmat.

Definir onde o espumante será consumido e quanto você está disposto a investir na sua compra também definirá qual será a sua aquisição. Se o momento pede algo mais complexo e elegante, opte por Champenoise. Se for possível optar por algo mais leve ou refrescante, sua opção pode ser um bom Charmat.

Dicas essenciais

A escolha de um bom espumante começa muito antes da hora da degustação da bebida, e é preciso ficar atento desde a compra. Assim, leve em consideração se o lugar que você escolheu para adquirir o seu vinho acondiciona as bebidas de forma correta. Prefira estabelecimentos e adegas climatizadas.

Nunca leve uma garrafa cujo líquido esteja abaixo do nível normal. Tirando alguns casos em que o processo de fermentação não foi interrompido, como já falamos por aqui, não há muita necessidade em guardar o espumante por muitos anos para que ele envelheça bem, como os vinhos tradicionais.

Uma boa olhada no rótulo permitirá a você conhecer bastante sobre a procedência da bebida. Em uma rápida análise, será possível descobrir a região onde o espumante foi produzido, teor alcoólico, conteúdo e, em alguns casos, safra das uvas utilizadas na garrafa. Na maioria das vezes, entretanto, os espumantes são feitos com blends de diferentes safras.

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Como servir

Na hora de servir, nada de congelar os espumantes. Essa bebida deve ser servida apenas resfriada. Na taça, coloque apenas um pouco mais da metade. Além disso, prefira taças mais altas e estreitas. Assim, as bolhas podem percorrer todo o comprimento e conservar melhor o gás.

Por falar em gás, a menos que você esteja em um momento de grande emoção e deseje festejar com veemência, não é recomendável fazer aquele ritual de chacoalhar e estourar o espumante, jogando tudo pelos ares.

Se o objetivo for apreciar a bebida de verdade, ao fazer esse procedimento, você acaba eliminando bastante gás, que fará falta ao vinho a ser servido logo na sequência.

Para harmonizar

Apesar de serem consumidos muitas vezes apenas de forma individual, em brindes especiais e comemorações, os espumantes podem, sim, acompanhar muito bem vários pratos da culinária.

A harmonização segue, basicamente, as regras dos vinhos tradicionais. A combinação de pratos e bebida deve se basear na quantidade de açúcar presente e no perfil da uva utilizada. A dica básica é: escolha espumantes fortes para pratos fortes. Já as bebidas mais doces serão perfeitas para acompanhar algumas sobremesas.

Os rosados, por sua vez, são ideais para acompanhar lanches, brunchs e recepções ao ar livre, com queijos suaves e frutas.

Dica: Queijos e vinhos: dicas deliciosas para não errar na harmonização

Celebrar com estilo

Não importa a ocasião: é consenso que as bolhinhas são sempre as melhores companheiras para marcar e celebrar os momentos mais importantes da vida. Sempre que precisar, consulte este guia que preparamos para você e tire as suas principais dúvidas.

Munido do conhecimento que você obteve neste post, é possível, então, escolher sempre as melhores opções de espumantes, de acordo com o seu paladar e com o momento.

Por isso, não deixe de colocar em prática o que aprendeu e, seja no fim de ano, seja em qualquer outra ocasião, sirva algumas taças para celebrar.

Se você se interessou em experimentar algo diferente e que não passou pelo processo de dégorgement, que explicamos neste post, não precisa se preocupar em viajar para o exterior.




Por
14/07/2020

Enólogo, Sommelier e Embaixador da Marca


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