O amor da humanidade pela bebida produzida no processo de fermentação da uva não é nada recente. Aliás, a história do vinho é tão Antiga — com “a” maiúsculo mesmo, pois a “bebida de Dionísio” já aparece na Antiguidade Clássica e até no Velho Testamento, nas uvas cultivadas por Noé — que quase poderíamos dizer que ela coincide com a da nossa civilização.
Mas você já parou para pensar em como alguém teve a brilhante ideia de experimentar suco de uva fermentado e, assim, iniciar a expansão do vinho mundo afora?
No post de hoje, você vai acompanhar conosco cada etapa da jornada do vinho pela História, desde a fábula de como, afinal, a bebida foi descoberta, passando pelo universo greco-romano e pelo Vale do Nilo, em uma viagem que vai terminar aí, na sua casa, com a chegada do vinho no Brasil. Preparado? Então aperte o cinto, pegue sua taça e vamos lá!
1. Os primeiros vinhos do mundo
Ficou curioso para saber como a ideia de tomar suco de uva fermentado surgiu? Bem, não dá para determinar exatamente onde, como e quando a história do vinho teve início. Na verdade, o mais provável é que essa descoberta tenha se dado em momentos diferentes, em vários lugares do mundo. Mas existe uma velha fábula persa que tenta explicar a o caso.
Trata-se da história de uma princesa (isso mesmo, para os persas, quem descobriu o vinho foi uma mulher!) que, depois de perder o apreço do rei, sentiu-se tão mal que decidiu cometer suicídio envenenando-se com uma taça de suco de uva “estragado”.
Só que, em vez de morrer, ela notou que, depois de ingerir as tais uvas, seu humor melhorou tanto — passou da água para o vinho, poderíamos dizer — que a princesa reconquistou o favor do rei. E assim se deu, para os persas, a descoberta de que uvas fermentadas não produzem veneno, mas sim um elixir poderoso.
Brincadeiras à parte, o fato é que as uvas e o homem coexistem no planeta há milhões de anos, mas o mais plausível é que tenha sido apenas a partir de 6000 a.C. que os primeiros vinhos do mundo foram produzidos, visto que é nessa época que saímos do nomadismo para nos dedicar ao cultivo e domesticação dos animais.
2. O vinho no Antigo Egito
Não é difícil chegar ao raciocínio de que, por uma questão climática mesmo, o vinho tenha aparecido primeiro justamente ali onde até hoje ainda se concentra a maior parte de seu cultivo: a zona temperada do Velho Continente, isto é, o Mediterrâneo.
Pois se os mais antigos traços do vinho no mundo foram encontrados em fósseis ali na região do Cáucaso, as primeiras prensas e equipamentos vinícolas de que se tem notícia foram achadas bem pertinho, na Armênia.
Não muito longe, o Egito, como centro das Civilizações do Vale do Nilo e um dos mais importantes polos econômicos e culturais da época, teve um papel fundamental na expansão do vinho pelo mundo Antigo.
Hieróglifos da era pré-dinástica dos faraós mostram como a bebida era preparada na época:
1. As parreiras eram plantadas em treliças e ficavam à sombra, devidamente protegidas do sol.
2. Depois de colhidas, as uvas eram prensadas primeiro com os pés (a pisa sobre os frutos permitia espremê-los bem delicadamente).
3. O próximo passo era extrair mais suco usando uma lona de linho esticada em uma moldura de madeira.
4. Uma última prensagem usando pedras podia ser realizada, mas o vinho produzido assim ficaria com um sabor mais amargo, por causa do esmagamento dos caules e das sementes.
5. A bebida extraída dessas três prensagens poderia ser então armazenada separadamente ou misturada para criar vinhos mais doces ou secos.
Uma bebida que dá tanto trabalho para ser produzida, como você deve estar imaginando, certamente não era “para o bico” da plebe: o consumo do vinho no Antigo Egito era reservado quase exclusivamente aos faraós e suas famílias. Aliás, eles adoravam guardar algumas garrafas em seus sarcófagos para continuar brindando na outra vida.
3. O processo de fermentação egípcio
Depois da prensagem das uvas, chega talvez a parte mais importante do processo de fabricação do vinho: a fermentação.
Esse processo é natural e acontece espontaneamente, em especial nas frutas como maçãs ou uvas, com alto teor de açúcar. Inclusive, o pão levedado foi inventado no próprio Egito, nessa época mesmo, e até hoje se usa maçãs como gatilho para fazer pães fermentados naturalmente, sabia?
Mas essa é uma história que vamos deixar para outra hora. Pelo momento, concentremo-nos em como os egípcios fermentavam as uvas para fazer vinho, pois esse é um passo importante da história da bebida. Embora a fermentação das uvas aconteça naturalmente (como na fábula persa que contamos ali atrás), o segredo para a produção do vinho é justamente manejar esse processo, e é isso o que os antigos egípcios começaram a fazer, inaugurando as bases do método que usamos ainda na atualidade.
Os vinhos mais leves eram guardados para fermentar por apenas alguns dias. Já os mais alcoólicos podiam passar semanas fermentando, sendo às vezes aquecidos para acelerar o processo. Para produzir os tintos, as uvas prensadas eram fermentadas com casca, caule e sementes (esmagadas ou não), e depois filtradas com tiras de linho.
Pouco antes de a mistura avinagrar, o vinho era então guardado em ânforas — vasos com duas alças, mais conhecidos em suas versões gregas — e selado com barro. Às vezes, o fabricante imprimia sua marca no recipiente, com cera, como se fazia nas cartas.
Vale lembrar ainda que, naquela época, costumava-se produzir vinho também com outras frutas, como figo, romãs ou tâmaras. O método, nesse caso, é quase igual àquele do vinho produzido a partir de uvas, mas geralmente é preciso acrescentar açúcar ao suco das frutas para acelerar o processo de fermentação.
4. Os gregos e seu caso de amor com vinho
O próximo capítulo da história do vinho se passa na Grécia, onde acredita-se que a bebida foi introduzida por mercadores fenícios por volta de 3000 a.C. Acontece que os gregos não tardaram a se apaixonar pelo vinho, e foi graças às conquistas de Alexandre, o Grande, da Macedônia, que esse amor se espalhou por toda a Europa ocidental.
Lá em Homero, na Odisseia, já vemos evidências de que os gregos sabiam produzir vinho muito bem. No episódio em que Ulisses tem que enganar o ciclope Polifemo, por exemplo, é a bebida de Dionísio que ele usa para adormecer o gigante.
E por falar no deus das festas e da loucura, Dionísio (ou Baco, em Roma) é outra prova da importância do vinho na Grécia Antiga. Nascido da coxa de Zeus, o pequeno Dionísio foi confiado ainda bebê a uma família mortal. No entanto, a esposa do rei dos raios, Hera, acabou por descobri-lo e, por vingança e ciúme, fez com que os pais matassem a si e aos filhos.
Enlouquecido pelo luto, Dionísio vaga pela Terra até encontrar a deusa da maternidade, Cibele, que o cura de sua insanidade e o inicia no cultivo da uva e na produção do vinho, que ele então propõe-se a espalhar pela Ásia.
De fato — com ou sem a ajuda dos deuses —, as vinícolas logo tomaram conta da Grécia, e o povo helênico se aperfeiçoou tanto na arte da fabricação do vinho que, até hoje, muitas das variedades de uvas viníferas cultivadas no mundo vieram, originalmente, de mudas trazidas de lá.
Outra novidade importantíssima que os gregos trouxeram para a produção do vinho foi o envelhecimento da bebida. Eles costumavam forrar as ânforas com resina de madeira para dar ao vinho um sabor distinto, técnica que logo se transformou nos famosos barris de carvalho, inventados na próxima parada de nossa história: Roma.
5. A jornada do vinho romano
Quando o vinho chegou da Grécia pela primeira vez, em mais ou menos 1000 a.C., os romanos não se interessaram muito pela bebida. O negócio deles, naquela época, era mesmo a cerveja, e o pouco vinho produzido era logo exportado para os bárbaros que viviam depois dos Alpes.
Foi só perto do século I a.C., depois da Batalha de Cartago, quando os romanos saquearam a cidade (localizada na atual Tunísia) e encontraram livros sobre a vinicultura, que o vinho começou realmente a fazer sucesso na futura Itália.
Com o desenvolvimento da agricultura, os romanos começaram a se tornar verdadeiros experts no cultivo das uvas e na produção do vinho. Eles foram responsáveis por catalogar e classificar diversos tipos diferentes de uvas viníferas, inventaram o barril de madeira e descobriram o efeito do tipo de madeira usada sobre o sabor do vinho no amadurecimento.
Além disso, os romanos também estudaram e catalogaram as doenças e pragas que afetavam suas parreiras e foram os primeiros a usar garrafas de vidro para armazenar o vinho. Só que apesar de a rolha já existir, eles preferiam usar um dedo de azeite de oliva para selar as garrafas, acredita?
E, claro, com a expansão do Império Romano, a arte de fazer bons vinhos também foi se alastrando com ainda mais força pela Europa.
6. A Idade Média e a ascensão do vinho francês
Com a queda de Roma, teve início a Era Medieval. Nesse período, o consumo do vinho já era muito difundido em todo o Velho Continente, e como a potabilidade da água era sempre um mistério nesses tempos remotos, o vinho era muitas vezes preferível para acompanhar os banquetes.
Foi nessa época que a França começou a se desenvolver como a grande produtora de vinhos de qualidade que é hoje. Tudo começou com Carlos Magno, primeiro imperador do Sacro Império Romano-Germânico, expandindo o Reino Franco e promovendo várias leis agrárias e normas para regulamentar a produção do vinho na região.
A consolidação do catolicismo e, consequentemente, do uso do vinho na comunhão, também contribuiu para manter as vinícolas trabalhando a todo vapor durante a Idade Média. Na França, mais uma vez, a situação foi especialmente favorável por vários fatores:
- No século XII, foi fundada na região da Borgonha a ordem dos monges cistercienses, adeptos ferrenhos da vinicultura e conhecidos por terem trazido as primeiras mudas de Chardonnay para Chablis, hoje principal região produtora do vinho branco feito com aquela uva.
- Na mesma época, a região de Bordeaux conhece um desenvolvimento significativo na produção de vinho, tornando-se, após o casamento do rei inglês Henrique II com a viúva do Rei da França, Leonor de Aquitânia, principal fornecedora da bebida para a Inglaterra.
- No século XIV, com a transferência da sede da Igreja Católica para a cidade de Avignon, no sul da França, o cultivo das uvas cresceu ainda mais no país.
- No final do século XVI, o espumante foi descoberto acidentalmente em um mosteiro na França por Dom Pérignon.
Com o tempo, o hábito de manter um lugar no porão reservado para o armazenamento dos vinhos, assim como a produção nos castelos também foi crescendo pelo Velho Mundo, principalmente pelas regiões em que o clima era mais favorável ao cultivo, como Espanha, Portugal, Itália e o sudoeste da Alemanha.
7. O declínio da produção grega de vinho
Talvez você esteja se perguntando, nesse meio tempo, o que aconteceu com o vinho grego. Pois é interessante saber que, enquanto a produção de vinho estava bombando em outras regiões do Mediterrâneo, na Grécia, ela sofreu um golpe quase fatal!
O grande abalo aconteceu com o domínio otomano, a partir do século XIV. Como continuação do poderio de Roma, o Império Bizantino vinha tomando conta do mundo grego há quase um milênio (desde o século V) quando transformou-se em Império Otomano, em 1299.
Com a independência do país depois de mais de 500 anos, em 1830, as vinícolas gregas começaram a se recuperar, apenas para serem destruídas de novo com as guerras (nacionais e mundiais) que perduraram até meados do século XX.
Desde então, os produtores gregos — felizmente! — vêm se recuperando aos poucos, e embora ainda estejam longe do lugar hegemônico que já ocuparam no ranking mundial da fabricação de vinho, hoje já são mais de 300 espécies de uvas cultivadas no país.
8. A expansão do vinho para fora da Europa
Adivinhe qual foi o motivo por trás da vinda das primeiras mudas de uvas viníferas para o Novo Mundo. Se você disse que foi a Igreja, acertou. O vinho chegou no continente americano pela primeira vez no México, no século XVI, trazido pelos missionários para a eucaristia. Uma curiosidade: até hoje tem por lá uma uva com o nome de Misión!
O problema — só para os colonizadores, claro — foi que a produção mexicana teve tanto sucesso, por causa do clima do país, que se transformou em concorrência pesada no mercado europeu. Tanto é que o Rei da Espanha teve que mandar parar a exportação de vinho pela colônia para não prejudicar o balanço econômico lá no velho continente!
Mesmo assim, a vinicultura continuou crescendo por aqui, e os europeus foram recompensados por não ter destruído totalmente o cultivo das uvas nas Américas. Isso porque lá no final do século XIX, uma onda violenta de Filoxera — praga que ataca as folhas das parreiras — chegou à França, causando uma crise sem precedentes na produção mundial de vinho.
A sorte foi que as plantas americanas eram muito mais resistentes à praga, por isso foi possível combater o desastre plantando parreiras nativas da América junto às plantas francesas para protegê-las. Essa prática, inclusive, deu origem a várias espécies híbridas, e é usada até hoje, sempre que a Filoxera volta para aterrorizar os vinicultores europeus.
Outro detalhe interessante é que, a partir desse episódio, a produção de vinho na Europa sofreu enormes transformações no sentido de ser regularizada e padronizada. E, com a destruição dos vinhedos que não puderam ser salvos, a terra onde antes se plantava uvas passou a ser usada no cultivo de gado e hoje é de onde vem a melhor manteiga e queijo da França. Parece que esse país nasceu mesmo para a gastronomia, não é?
Além do continente americano, outra nação importante no mundo dos vinhos fora da Europa é a África do Sul. O cultivo das uvas viníferas começou no século XVI, no Cabo da Boa Esperança, com a chegada de colonizadores holandeses.
Até o final dos anos 1860, a maior parte da produção sul-africana era exportada para o Reino Unido. Depois disso, acordos entre a Grã-Bretanha e a França prejudicaram esse cenário, e os vinhos da África do Sul tiveram sua produção e circulação no mercado internacional significativamente reduzidas por mais de um século, até o final do apartheid, em 1994.
Por último, por meio de mudas trazidas do continente africano, o vinho chegou à Austrália e à Nova Zelândia, no final do século XVIII. Ainda assim, até pouco tempo atrás, a produção desses países era destinada quase exclusivamente ao consumo interno ou exportação para o Reino Unido.
Assim como no caso da África do Sul, portanto, os vinhos do Novíssimo Mundo só começaram a ser conhecidos (e apreciados!) em outros cantos do globo muito recentemente, mas alguns vinicultores já fazem fama pela qualidade de seus produtos.
9. A chegada do vinho no Brasil
Após essa volta ao mundo pela cultura e produção do vinho desde a Antiguidade, você já deve estar mesmo sedento para saber como e quando, afinal de contas, essa bebida dos deuses chegou aqui no nosso país.
Pois se o início da nossa história é bem parecida com a do México — o vinho precisava vir por causa do catolicismo —, ela tem alguns detalhes bem diferentes, particulares da nossa colonização.
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